Uma seleção no modo avião

Não se engane quem não viu o jogo, e só o placar final. Foi mais uma partida lenta e sonolenta do Brasil. Ganhamos, fizemos 2 gols no final, mas não gostamos do que vimos. O alento veio com as mudanças no segundo tempo, que conto depois. E não me venha com essa história de que é amistoso. Já se passaram 8 meses desde a eliminação na Copa do Mundo. Estamos às vésperas de uma Copa América. Um torneio tradicional e importante, que mede nossa força diante dos vizinhos mais fortes, como Argentina, Uruguai, Colômbia, Chile e até o Paraguai, que já eliminou a gente. Um bom teste, uma taça legal de ganhar. Mas todo mundo sabe que, quando enfrentamos os europeus, o caldo costuma desandar. Bélgica em 2018. Alemanha em 2014. Holanda em 2010. França em 2006. Dessa vez, a competição sul-americana vale muito mais, e pro Tite. Vale quase uma Copa do Mundo. Pode até valer o emprego.

O cara que chegou como unanimidade perdeu muito do apoio popular. Ganhou status de Messias, o salvador da Pátria, o cara que resgatou a seleção da lama e do marasmo. Porque nas Eliminatórias o Brasil jogou bem e convenceu. Enchemos a bola do Sr Adenor. Ele é o homem que ganhou uma Libertadores inédita e invicta e mais um Mundial com Libertadores pelo Corinthians. Um feito. O homem que mudou a cara da seleção, logo no primeiro jogo. E isso encheu o treinador de confiança. Até demais.

Na Rússia, vimos um time desorganizado, previsível, burocrático. Dependente do Neymar, que claramente estava baleado. Acabamos virando meme e piada. Tite confundiu convicções com teimosia. A coisa não andava e ele não propôs algo novo. E quando pegamos um time mais embaçado, rodamos. Era o momento de fazer uma auto-reflexão. Uma análise dos acertos e, principalmente, dos erros. Ele preferiu dar o recado que continuaria insistindo nos dogmas que criou, dando a braçadeira de capitão pro Neymar. Desculpa, mas líder técnico não faz de ninguém um bom capitão. E o Neymar está longe de ser o melhor jogador para tal função. Na minha opinião, Tite foi mal demais logo na primeira atitude pós-fracasso.

De lá pra cá, nada mudou. Quem joga parece que entra configurado no modo avião. É isso, a seleção tá no modo avião! Só funcionam as ações básicas, mas o time tá completamente desconectado, aéreo, offline.

Foto: Ale Cabral/AGIF

Eu sei que não temos mais jogadores com a qualidade de um Romário, um Ronaldo, um Ronaldinho, um Kaká, um Adriano, e mais uma dezena de craques das antigas. Mas, na moral, era pra jogar muito mais. Já vi time do Brasil meia-boca arrebentar em Copa América, destruir a Argentina na base da qualidade técnica, da camisa pesada e do tesão. Essa seleção de hoje é um ser assexuado, frígido, impotente! Futebolzinho brochante! E eu acho sim que isso passa pelo Tite. Técnico também pode estrelar, se deslumbrar, subir no salto. Reconhecer os erros e se reinventar não é sinal de falta de personalidade, e sim uma prova dela. E a derrota pra Bélgica e a falta de evolução depois da queda deveriam ter feito o cara questionar suas convicções.

Podem me chamar de saudosista, mas não gosto dessa coisa do treinador brasileiro sequestrar o futebol dos nossos jogadores e fazer dele refém de um esquema tático careta e rigoroso. Uma cópia mal feita dos esquemas europeus. Além de não termos vocação pra isso, perdemos nosso diferencial, que é o improviso. Tá na hora de voltarmos ao modo brasileiro de jogar bola. Com funções táticas, com organização, mas com liberdade pra criar, ousar, usar a habilidade, o drible, o dom de ir pra cima.

Sinto os jogadores presos, nervosos, inseguros, com medo de sair da cartilha e decepcionar o chefe. Foi só entrarem Everton e David Neres, novatos querendo provar seu valor, visivelmente mais ligados, com mais tesão, e até com mais "irresponsabilidade", metendo velocidade e indo pra cima, que o time melhorou. Até o Jesus fez gol. Dois! Ele e Arthur também entraram bem. A diferença foi clara. O futebol deu seu recado. Bora soltar os moleques e deixar o jogo fluir com mais naturalidade, professor!

Fiz um tweet perguntando qual é a pior teimosia do Tite. Sente só o que o povo respondeu: